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Madrugada Fria
Madrugada fria
de inverno, mês de julho, a neblina encobria todo o tempo; a visibilidade era
mínima, não chegava a um metro de distância, o silêncio era cortado somente
pelo silvar forte do vento a passar em alta velocidade, com muita pressa, como
se fugisse de alguma coisa, o abandono que imperava, tomava conta das ruas
desertas e tristes em tom cinza, dava uma sensação fúnebre de medo, naquela
madrugada triste, na região central da cidade metropolitana de Nova Iguaçu, rio
de janeiro, conhecida como baixada fluminense.
Nesse instante,
o sanfoneiro acabava de tocar os últimos acordes de um forró gostoso, que
embalava os dançarinos e boêmios que buscavam um pouco de alegria e diversão,
naquele fim de semana gelado. No interior do estabelecimento, encontravam-se
dois amigos inseparáveis, um considerava o outro como irmão, estavam a saborear
os últimos goles de uma cerveja bem gelada, degustando um pouco do tira gosto
que ainda restava em um prato, e já se preparando para sair.
Os dois estavam
bem vestidos, calças compridas jeans, camisas polos, sapatos e jaquetas caras,
relógios e pulseiras de marcas bem conhecidas, de longe já dava pra perceber
que eram pessoas de bem, com antecedentes dignos e com uma situação financeira
estável. Ainda conversavam sobre as aventuras e desventuras da noite, os lucros
e perdas da caçada, pois, os mesmos se intitulavam bons caçadores de novo amor,
novas aventuras; todo fim de semana, lá estavam eles em busca de novas amizades
e conquistas. O mais velho era alto, magro, um rosto agradável, bem produzido,
recém-chegado da Europa, onde esteve por algum tempo, fazendo curso de
atualização profissional na Itália, vestia uma jaqueta de couro, peça rara no
vestuário brasileiro e que justamente naquele dia, vestia pela primeira vez. O
outro era mais baixo, moreno, com traços e feições indígenas, também estava bem
produzido, era mais novo, porém com uma bagagem de vida muito considerável,
ambos eram funcionários de uma grande estatal da área da aviação civil.
Ao saborearem o
último gole daquela cerveja gelada, resolveram sair, até porque eram os últimos
clientes que ainda encontravam-se no estabelecimento.
Ao cruzarem a porta da rua e se deparam com
aquele cenário fúnebre gelado, sentiram o corpo todo congelar, tamanho era a
velocidade do vento batendo de encontro aos seus corpos. Caminharam alguns
passos em direção ao carro, recém-comprado, que estava estacionado logo
adiante, quando de repente ouviram um murmúrio vindo da escuridão; os dois, ao
mesmo tempo se entreolharam e viram a poucos metros, um homem caído, a gemer e
tremer, parecia alguém com sintomas de mal de Parkinson, mas, na realidade, era
o frio que no momento congelava implacavelmente seu corpo, no momento protegido
apenas por algumas folhas de jornais e papelões. Seus restos de dentes batiam
um ao outro, como um badalar de sinos a tocar, convocando os fiéis para uma
nova missa, seu corpo já enrijecido, mesmo assim, tremia sem cessar, e a cada
segundo um gemido abafado saía da sua garganta, como uma súplica, um pedido de
ajuda pra salvar a sua vida.
Os dois amigos
vendo aquela cena tão triste, mais uma vez como se fossem automáticos, se
entreolharam e o mais alto tirou imediatamente seu casaco raro de couro, que
acabara de inaugurar, e encobriu aquele corpo quase desfalecido, todo sujo,
amenizando de imediato, um pouco do seu sofrimento.
O amigo surpreso
com a atitude do outro, o recriminou, pois, ele não deveria ter feito aquilo,
se desfazer de um casaco tão raro e caro, só pra proteger um simples mendigo,
que ele nem o conhecia, e que também, o primeiro transeunte que passasse,
tomaria de posse o casaco e o levaria consigo. Nesse intervalo de recriminação,
eles chegaram ao carro, entraram e tranquilamente o amigo caridoso respondeu-lhe:
meu irmão e amigo, eu só quero apenas chegar em casa e poder dormir com a minha
consciência tranquila de ter podido aliviar a dor de um irmão, tão humano
quanto nós, não quero jamais, amanhã ao acordar, ler nos jornais a notícia de
que mais um mendigo foi encontrado morto na noite pelo frio, e eu, com a
consciência pesada, pois, poderia ter feito algo para que isso não tivesse
acontecido e não fiz. Não fiz por causa do egoísmo e por estar apegado a bens
materialistas. Casaco, um dia eu posso comprar outro até melhor. O amigo
abaixou a cabeça e pediu desculpas, pois, no seu interior ele compreendeu o
quanto era materialista e egoísta.
O silêncio
imperou até chegarem em suas casas e poderem dormir em paz. Pra um, ficou a
atitude, a paz do dever cumprido, pro outro, um grande aprendizado e a certeza
que ainda teria muito que se melhorar.
Esse exemplo de
atitude, só serve pra nos ensinar que independente do credo, filosofia, nível
social ou religião, a verdadeira caridade é aquela que é feita com amor, sempre
pensando no bem, sem olhar a quem, aquela que é desprovida de todo aparato
material. Então façamos nossa parte, o resto o senhor se responsabiliza. Um
grande abraço.
AUTOR: JOABNASCIMENTO
DATA: 10/08/15
Recanto das
Letras: JOABNASCIMENTO
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Twitter: @ljoaobatista